Famílias multiespécies: decisões recentes fomentam o debate sobre a temática

A presença e relevância acentuadas dos animais nas famílias contemporâneas tornam o ordenamento jurídico um cenário fértil para ações que buscam o reconhecimento desses núcleos familiares. Casos recentes noticiados pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM alimentam o debate sobre famílias multiespécies e a proteção jurídica dos tutores e seus pets.

No primeiro deles, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS determinou que um casal divorciado divida as despesas com os cuidados de 25 cães, adotados em conjunto durante a relação. Já no segundo, a tutora de um cachorro de 14 anos entrou com uma ação, na Justiça Federal de Brasília, para incluir os gastos com o animal no Imposto de Renda.

Segundo a advogada e professora Tereza Rodrigues Vieira, membro do IBDFAM, a judicialização da causa animal tem-se traduzido em reconhecimento das famílias multiespécies. “As decisões favoráveis têm reforçado as associações de defesa animal e encorajado mais processos judiciais concernentes ao valor animal.”

“Hoje não se fala apenas em maus-tratos ou crueldade, mas no ‘melhor interesse do  animal’. A judicialização não objetiva apenas defender os animais, mas colaborar para a evolução do Direito e do respeito da sociedade em relação à família multiespécie”, explica a especialista.

Coordenadora do livro “Família multiespécie: Animais de estimação e direito”, pioneiro sobre o tema, ela explica que recorrer ao Judiciário como meio de ação militante deu mais visibilidade à causa animal, não apenas à proteção dos animais de estimação, mas também dos animais selvagens e de uso rural. “Já se utilizou, inclusive, o direito de usar o procedimento de habeas corpus aos animais presos.”

Via judiciária

Para a professora, o recurso aos Tribunais é complementar a outras formas de ação tradicionais, como informar o público, fazer lobby, pedir boicote ou organizar manifestações, até que a lei mude. “Este uso da via judiciária contribui para a efetividade das disposições relativas às crianças e adolescentes, por analogia aplicada aos animais de companhia.”

Tereza lembra da existência de casais que, por amor, brigam pelo animal de estimação em juízo. Por outro lado, afirma que há pessoas que maltratam o animal para se vingar do cônjuge que deixou o lar.

Dependentes do contribuinte

A especialista é favorável à dedução no Imposto de Renda das despesas médicas referentes aos animais de companhia, pois entende que são dependentes do contribuinte. Ela lembra, porém, que essa ainda não é a realidade brasileira.

“Podemos em breve caminhar para a permissão da dedução. Considerando o animal um ser senciente, não pode ser submetido ao sofrimento ou à dor”, comenta.

A advogada cita propostas legislativas para a criação de um Cadastro Nacional de Animais Domésticos e autorização para dedução de despesas veterinárias no Imposto de Renda. Entre eles, o Projeto de Lei 848/2022, que permite a dedução no IR de despesas médicas veterinárias ligadas a animais registrados no cadastro nacional.

“Tal medida possibilitará uma melhor relação entre animais e seus tutores com a supervisão do Poder Público e as garantias do Poder Judiciário. Ademais, a identificação confiável do animal doméstico previne o abandono”, ressalta Tereza.

Ela frisa que, com a dedução nos impostos, muitas pessoas poderão se interessar em adotar um cachorro ou gato, “favorecendo a integração na família multiespécie e podendo, até,  aumentar a pena e a multa em caso de abandono animal”.

Divisão de despesas

Tereza Rodrigues Vieira entende que as despesas com os animais de estimação devem ser divididas entre os ex-cônjuges, “independentemente do regime de bens, uma vez que o animal não é coisa”.

A especialista argumenta que os custos com a manutenção de um animal de estimação são elevados. Cita, entre as despesas, a compra de ração, petiscos, consultas, vacinas, tratamento médico e asseio.

Ela acrescenta que as despesas veterinárias vêm aumentando, ano após ano, uma vez que os guardiões dos animais de estimação estão mais propícios a aceitar tratamentos caros ou operações onerosas para seus animais de estimação.

“Sou favorável a uma lei especial para animais de companhia. Enquanto esta não chega, podemos aplicar, subsidiariamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA”, conclui a advogada.

Fonte: https://ibdfam.org.br/noticias/10031/Fam%C3%ADlias+multiesp%C3%A9cies%3A+decis%C3%B5es+recentes+fomentam+o+debate+sobre+a+tem%C3%A1tica

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